Imagem capa - Arte entre Gerações - Bailarina Uilielma e família por Sara Santos
Histórias

Arte entre Gerações - Bailarina Uilielma e família

Eu fiquei para mais de um dia em frente as folhas em branco, tentando iniciar esse texto, atrás da forma mais lírica, clara e singela de transmitir o que vimos naquela manhã de domingo.

A baixo, um pouco das fotos e alguns relatos sobre esse ensaio tão esclarecedor para mim em tantos sentidos!




Já começo dizendo que nos receberam com café da manhã, então meu estômago estava ganho desde ás 8h30 da manhã! 

Casa em construção, bolo caseiro recém saído do forno, pães, suco de laranja natural, frutas e cevada? Poderiam facilmente me adotar se quisessem! 



*Depois ele fugiu das fotos, mas eu vou fingir que não vi!





Ah, a Luíza! Uma criança alegre, esperta demais, agitada e entusiasmada com as coisas, gosta de histórias! Meu digníssimo, Raphael Rodrigues acompanhou-me nesse ensaio, em em determinado momento eu queria fazer algumas fotos da Uili sozinha, e ele ficou com a missão de entreter a Luíza; já pedi desculpas antecipadas achando que poderia ter dificuldades, já que todos sabemos que entreter crianças pode ser uma tarefa bem difícil. Porém para a minha surpresa, ele tirou de letra, disse que ela se concentra e interage como se fosse uma criança mais velha!

Mas parando para pensar, não é algo para se espantar tanto, considerando que a primeira coisa que ela fez quando chegamos (depois de passado alguns instantes mínimos de vergonha), nos trouxe um livrinho de histórias.

Eu toda feliz com a ideia de fotografar uma bailarina que não atua há dez anos, queria ver as roupas, tudo que lembrasse o Ballet; e Luíza como qualquer criança que ama uma bagunça, não demorou pra se divertir com tudo que estava espalhado pelo chão, figurinos tirados do baú, como a própria Uilielma disse.





Antes da data marcada, conversando por mensagem, descobri que uma bailarina que não dança mais não pode jamais ser chamada de "ex-bailarina"! Por muito tempo eu me chamei de ex-dançarina, pensando que não podia mais carregar o título, já que não treino há anos, e eu não podia estar mais enganada! 


Dançarino uma vez, dançarino sempre! 


Uilielma revirando seu baú de guardados, encontrou as famigeradas sapatilhas de ponta, e uma delas serviu, mandou-me uma foto, quarta-feita às 23h11 (sim, fui conferir), em cima de uma ponta perfeita, plena! 



Dez anos depois, e os músculos sabem o que fazer, podem não aguentar por falta de treino (ela disse que teve cãibra depois), mas o corpo não perde o que demorou tanto tempo para aprender... Não se desprende da arte como se fosse uma roupa que não serve mais, ela pode mudar, evoluir, ter outra visão e contexto no dia a dia, mas não se larga a arte... Ela me disse e algum momento, que se viu nessa posição da próxima foto amamentando a Lú, e percebeu que estava com as pernas em "borboleta".




Depois dessa noite, da foto que ela me mandou, parei para reparar nos meus próprios passos, e sem querer eu me vejo parada na primeira posição lavando louça, ou na terceira para me mover de forma estável quando estou fotografando. Menos glamoroso do que ter a capacidade de ficar na ponta como ela? Sim, mas o Ballet clássico não era a minha categoria favorita (a verdade é que, não tive paciência quando nova para aprender, e hoje me arrependo um pouco, considero uma das mais difíceis "categorias", uma das que mais exige força e disciplina para aprender).




Uilielma disse "Meu pai só me dava presentes com algum sentido ou finalidade, nunca me deu boneca, presentes normais de qualquer criança, que qualquer família tem. A gente era muito pobre, tinha uma situação financeira muito difícil, então ele só me dava coisas que ele sabia que seriam uteis para mim de alguma maneira. Ele já me deu um casal de patos! E esse casal de patos se multiplicou, chegamos a ter 70 patos! Foi ele que me deu a minha matricula no Ballet, de presente de aniversário..."




"Quando eu completei 8 anos ele me deu essa arpa de presente, e aí ele falou que não tinha como pagar a aula para mim, mas que sabia que eu ia aprender, que eu ia tirar algum som bonito dali. [...] E eu sempre tive muito carinho por ela, já vinha com uma partitura, muito simples de se ler, muito simples; e eu realmente aprendi a tocar arpa. Eu não tinha palheta, usava tampa de caneta ou lápis da escola, e não consegui dedilhar, então usava assim. Eu tocava em casa, e com essa 'arpinha' eu toquei na igreja, me apresentei na escola, quando eu era bem pequeninha; e eu tenho muito carinho por ela até hoje, foi um presente importante, um presente que fez muito sentido pra mim!

E agora, minha filha está usufruindo dela e isso me deixa muito feliz! E ela adora, ela ama mexer na arpa, pra ela é mais do que um brinquedo, sinto que ela gosta de ouvir o som, das cordas, que acha interessante, ela gosta muito de música, de cantar, e a arpa faz bem para a minha filha!

Faz um tempo que o meu pai faleceu, mas até hoje os presentes que ele me deu eu guardo no meu coração, talvez se fossem presentes caros não teriam essa importância, ou não tivesse lembranças, mas dessa arpa eu tenho." 



O primeiro titulo desse texto era "Arte de Mãe para Filha!", mas agora no final, na revisão, decidi alterar... O pai da Uili, mesmo não sendo exatamente um artista, teve a sensibilidade de ensinar arte, de certa forma. Tocou sem saber, não apenas na sua filha, mas transcendendo gerações com gestos simples e sinceros...

Uilielma, uma mãe apaixonada por educar a filha, que não se importa se as pessoas acham bobo ou não, mas escreve um diário para a filha pensando que quando mais velha essa pode ser uma ferramenta para a saúde mental, hoje da pequena, mas que daqui poucos anos não será mais tão pequena assim... Uma oração hoje por mais mães e pais que se importem com a saúde (seja ela qual for) dos seus filhos...

Luíza pinta, toca, canta, e dança, visivelmente atenciosa, claramente filha de artista!

Salmos 127, versículo 3: "Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão."




Agora, um pouco mais das fotos desse ensaio!

Compartilhe com aquela mãe apaixonada, com a (o) amiga (o) artista! 

O momento para viver arte, é hoje!